sexta-feira, 13 de julho de 2007

Gabeira, Heloísa Helena e “as fronteiras do pensamento”

1. Na terça-feira, 03 de julho, Porto Alegre recebeu a visita de figuras públicas de peso da política nacional. Reunidos na Esquina Democrática – centro nervoso das manifestações da Cidade – Fernando Gabeira (PV) e Heloísa Helena (PSOL) lideraram, junto com a anfitriã Luciana Genro, um ato político pela cassação do presidente do Senado, Renan Calheiros. Mais que o mérito do ato – incontestável, aliás -, merece nota o fato dele representar um passo importante no processo de enlaçamento dos dois partidos – PV e PSOL – para o lançamento da deputada gaúcha para a prefeitura de Porto Alegre.

E aí entramos no ponto que merece análise mais precisa: PV e PSOL são aliados naturais ou estarem juntos é uma contradição?

2. O PSOL surge de um processo de crítica aos rumos do PT e do Governo Lula, por diferenças quanto a opções tomadas já na campanha de 2002 que elegeu o atual presidente para o primeiro mandato, com forte contradição a partir da composição do governo. Quando da votação da reforma da previdência, em meados de 2003, um grupo de quatro parlamentares – Heloísa Helena e Luciana Genro incluídas – vota contra o projeto apresentado por Lula e acaba expulso do PT no final desse mesmo ano. Em 2005 o PSOL recebe um expressivo acréscimo de militantes e grupos que optam por também compor o novo partido.

No entanto o PSOL surge e continua se construindo sem ter clareza de onde quer chegar. Se constrói um caminho de oposição programática de esquerda ao PT - num caminho que talvez demore muito mais a surtir efeitos eleitorais, mas permitire a construção de uma alternativa mais sólida à esquerda, que cumpriria um importante papel na luta política do país - ou se simplesmente alimenta o moinho da oposição em geral ao petismo, um caminho que tem involuntariamente trilhado. Mais: falta ao PSOL uma avaliação madura da experiência do PT, para saber construir um partido que tenha qualidades que o PT sempre teve – bom grau de democracia interna, razoável preocupação com o debate qualificado e com a memória da esquerda brasileira, busca de relações internacionais, articulação com o movimento social – sem repetir os seus defeitos – o “gabinetismo”, o “capismo”, o sectarismo entre as diversas correntes de opinião, dentre outros. A dura realidade é que o PSOL rapidamente consolidou o contrário: é um partido que rapidamente repete os defeitos mais graves do PT sem ter chegado a ter as suas qualidades: é um partido que não chama os militantes e base próxima para debater a realidade do país, porque já tem uma verdade pronta para ser vendida e, por mais que reivindique idéias de ruptura, se movimenta em função apenas de figuras públicas, da institucionalidade e seu calendário.

Ao não ter uma avaliação mais aprofundada do que deu certo e errado na experiência do PT, o PSOL sabe apenas que não quer repeti-la. Em certos momentos é difícil diferenciar o discurso pessolista do mero antipetismo, que acaba sendo profundamente desqualificado e corre o risco de ir à direita com o objetivo fundamental de combater o PT.

Falo inclusive da condição de um militante que chegou a tentar ter referência no PSOL, mas que não concorda com o processo de total desacúmulo da esquerda que os movimentos pessolistas podem produzir no médio e longo prazo para a esquerda brasileira, ao tentar construir nova central sindical, novas entidades estudantis, o reforço do antipetismo barato e, principalmente, a total indisposição a construções programáticas, despreocupação com a qualidade dos argumentos.

O preço do antipetismo é tal que o PSOL se nega a interferir na realidade quando essa os colocará no mesmo lado do resto da esquerda brasileira: assim, não se vê movimentos desse partido na luta contra a redução da maioridade penal, tímidas e tardias adesões aos movimentos por ações afirmativas. Mesmo quando critica a tucana Yeda Crusius, o foco sempre parece apontar contra Lula. Ao se buscar a visão partidária em temas como direitos humanos ou segurança pública, se perceberá o PSOL defendendo visões policialescas do combate à violência, muitíssimo à direita do que o PT defende e implementa em seus governos. Quando Heloísa Helena evoca os "homens e mulheres de bem desse país", usa de uma categoria que qualquer pessoa séria de esquerda rechaça, ao tentar separar a sociedade em bons e maus. Coisa de direita. Nas opiniões sobre política internacional, em nome de atacar Lula, Heloísa Helena diversas vezes manifestou a necessidade de ser mais dura na relação com Chávez e Evo Morales, fazendo coro com o tucanato na caracterização de uma suposta frouxidão do presidente brasileiro.

3. É nesse cenário que surge essa provável aliança à prefeitura de Porto Alegre, onde o PV deve apoiar a candidatura da deputada Luciana Genro. Os Verdes em Porto Alegre sairão de uma aliança com Jair Soares (PP) - político forjado em cargos no regime militar – em 2004 para o enlace com Luciana em 2008.

O candidato por eles apresentado em 2006 ao governo do RS – o mesmo que dois anos antes havia sido o vice de Jair - pregava “tolerância zero” contra o crime, métodos de empresa privada na administração pública, dentre outras políticas cujo conteúdo deveriam afastar o PV para “o outro lado da cerca” de onde está o PSOL.

Fernando Gabeira saiu do PT para voltar aos Verdes e se tornar um ícone dum movimento moralista de combate a Lula. No Rio se tornou um aliado de César Maia (DEMO) e Denise Frossard (PPS), num campo que mistura oportunismo, moralismo de direita e quase-fascismo. É um dos nomes que o atual prefeito “democrata” do Rio cogita para ser seu sucessor na eleição do ano que vem.

Gabeira, aliás, participou ao meio dia do ato com o PSOL para, logo a partir do meio da tarde, cumprir agenda como convidado do Seminário Fronteiras do Pensamento: um ciclo de palestras de grandes celebridades intelectuais que vão da social democracia envergonhada ao ultra-liberalismo. É mais um desses tantos eventos bancados pela burguesia gaudéria que, para combater a esquerda, adora bancar grandes eventos pensantes e cobrir de confetes quem tenha militado no campo adversário. Especialmente quando esse convidados percorrerem em sua fala o seguinte roteiro: caracterização da “esquerda autoritária”, falar muito do Leste Europeu, do suposto semi-analfabetismo de Lula, contar que Delúbio Soares inaugurou a corrupção nos trópicos e ao final falar do Fidel e alguém da platéia lembrar da bandeira de Cuba disposta na sacada do Piratini na posse de Olívio em 99. Para depois irem todos jantar em algum desses restaurantes chiques da Padre Chagas, bem longe do cheiro do povo.

4. Assim, voltamos à questão inicial? O PV e o PSOL poderiam estar juntos, assim? Isso é coerente?

A resposta tem duas possibilidades: se o PSOL quiser ser uma oposição programática de esquerda ao Governo Lula e ao PT, não deveria se aliar com um partido que se alia com o conservador Jair Soares, que defende políticas de tolerância zero contra a criminalidade ou métodos de qualidade total na gestão do público. Se o PSOL prefere assumir o risco de ampliar rumo ao mero antipetismo, como parece ser a opção de boa parcela de sua direção e militância, então, de fato, Gabeira e o PV de direita do RS podem ser aliados num projeto de longo prazo, na construção do novo udenismo brasileiro, misturando tons de ultra-esquerdismo com conservadorismo quase fascista, aliando Luciana Genro com Gabeira, Heloísa Helena com Denise Frossard. Uma mistura que certamente irá se tornando cada vez mais indigesta aos militantes programáticos de esquerda que buscaram o PSOL como uma alternativa séria à crise do PT.